ernesto bonato
Ulysses Bôscolo: Olho mágico Revoada Sonhos
" Um breve relâmpago
ilumina a escuridão:
garça gritando a noite
O grito da noite
esgarça-se branco
num breve relâmpago."
"Relâmpago". Bashô (1644 - 1694)
Esse poder que Bashô possuía de tornar visível cada palavra, ou
antes, criar imagens vivas através de alguns poucos versos que
definem a forma do Haikai, lembra-nos, de forma inversa, as
gravuras, desenhos e pinturas de Ulysses Boscolo, poeta de
imagens, que extrai de cada figura do mundo, por mais singela que
seja (e talvez justamente por isso) seu sumo mais real, mais
verdadeiro, que não poderia ser outro, senão poético. Com isso,
sua obra tem nos permitido vislumbrar as inumeráveis ligações que
vibram as cordas desse tecido fino que alinhava o mundo,
revelando sentidos, ordens provisórias, padrões orgânicos de uma
tapeçaria sem fim. A luz de seu olhar engendra gestos com a força,
claridade e estrondo de um relâmpago. Às vezes, o olho assustado
de um pássaro reflete de modo insuspeito o sol inteiro e a distância
do olho ao sol. Tudo isso pode caber em um minúsculo toque de
tinta branca, ou no triscar da lâmina na madeira. Se você reparar,
há uma boa vontade nisso tudo, uma certa aceitação alegre da vida,
que é recompensada por visões extraordinárias, mesmo que
minúsculas.
Janeiro de 2015